quarta-feira, 13 de março de 2013

OVERDOSE DE CAFÉ TACVBA! ENTREV¡STA + RESENHA DO SHOW NO C¡RCO VOADOR


Eu e Meme, Meme e Eu 
[foto: Ana Paula Bragaglia]

Por @cambio_losanoff

Confira abaixo o bate papo que tive com Emanuel "Meme" Del Real, multi-instrumentista da grande banda mexicana Café Tacvba, na noite de 7 de março, no backstage da casa de espetáculos carioca Circo Voador, minutos antes dos músicos subirem ao palco. 

Meme fala sobre a volta dos Tacvbos ao Brasil após 15 anos, da suposta barreira do idioma que nos separa, da proximidade do aniversário de 20 anos do clássico disco Re, dos anos 90 versus 00, do novo trabalho e sobre classificar o inclassificável. 


C¡ - Como vocês têm passado estes dias no Rio? Você foi a alguma loja de discos, por exemplo?


Aqui no Rio ainda não tive tempo, infelizmente... Ontem saímos à tarde, fomos a Copacabana e hoje à praia, depois ao centro. Gostei muito de lá, da Lapa, me lembrou a Cidade do México.

C¡ - E parece que tem um Circo Voador (Circo Volador) na capital mexicana também, né?


Sim, mas acho que o do México não tem muito a ver com este.

C¡ - Pelo menos este Circo carioca onde vocês tocam hoje é uma casa lendária, abriu espaço para bandas de rock que surgiram no início dos anos 80, como Paralamas...

É mesmo? Legal saber disso.

C¡ - Falando nos Paralamas, vocês vieram ao Brasil pela primeira vez em 1997, tocando em São Paulo e também em Porto Alegre, no Festival MTV Tordesilhas. Lá dividiram palco com Paralamas, Illya Kuryaki, Bersuit, Los Tres, Aterciopelados, ou seja, um grande casting, mas lamentavelmente sem um grande público à altura... O que você lembra dessa época?

Bom, sobre os nossos shows, nos divertimos bastante em São Paulo e em Porto Alegre, mas o que acontece é que tanto daqui (do Brasil) pra lá (México) quanto de lá pra cá, existe essa barreira invisível, onde o idioma insiste em nos separar...

  
C¡ - Mas você acha que o problema é mesmo a barreira de idioma? Espanhol e português não seriam línguas "primas"?

Para mim, especificamente, nunca houve barreira de idioma. Desde pequeno sempre escutei música brasileira, ou seja, os 'grandes', Tom Jobim e tal, mas sei que não é fácil... Sempre tudo que nos chega de música precisa passar primeiro pelos Estados Unidos e Europa. Fora a própria música feita por esses países, que chega forte em todo o mundo, incluindo Brasil e México.

C¡ - Shakira, Ricky Martin e outros artistas do 'mainstream latino' fazem muito sucesso no Brasil desde sempre. Os fãs cantam todas as letras em espanhol, inclusive. É claro que graças à internet isso vem mudando a ponto de termos, por exemplo, mais gente para ver vocês aqui hoje do que teríamos há 15 anos. O que você acha?

O que eu acho é que se nós cantássemos em português ou inglês, provavelmente teríamos chegado a mais brasileiros - e bem antes. Em inglês, com certeza. Bom, na verdade não tenho certeza (risos), mas acho que da mesma forma se alguns artistas brasileiros cantassem em castelhano ou inglês, fariam sucesso nos demais países da América Latina.

C¡ - Como Paralamas e Sepultura...

Exato.



C¡ - Agora uma pergunta enviada direto do México pela jornalista, locutora de rádio e amiga Olívia Luna: Não é estranho vermos sempre bandas brasileiras em festivais gringos como South By Southwest e nenhuma no Vive Latino (maior festival de rock da América Latina)?

  
Sim. É algo que me surpreende, pois havendo tanto em comum entre os dois países, como culturas, sociedades, expressões artísticas, não tenhamos tanta relação, pelo menos na música, como nós mexicanos temos com um idioma mais distante, o inglês. Claro, "distante" enquanto línguas, mas sendo vizinhos dos Estados Unidos... já é parte de nós. Mas eu sempre tive a intenção de vir tocar e aqui estamos. Aconteça o que acontecer, desfrutarei muito cada momento.

C¡ - Ano que vem o álbum Re (considerado pela revista norte-americana Rolling Stone o melhor disco de rock latino de todos os tempos) completa 20 anos. Como a banda o vê hoje? Você mudaria alguma coisa neste clássico?

Não mudaria nada. Não me atreveria a meter as mãos em nada, assim como em nenhum dos outros discos que fizemos posteriormente. Claro que há coisas hoje que poderíamos melhorar, mas prefiro fazê-lo em um disco como o nosso que acabou de sair. Senão creio que se perde a inocência e parte da espontaneidade que naquele momento (início dos anos 90) significava buscar identidade e criar algo sem saber o que vai acontecer, como no Re. É um  disco que tem esse fator... de se buscar mais do que canções. É uma procura sobretudo pela composição, que é o que sustenta todo o disco. É construir temas que tenham conteúdo emocional, social e musical. Re foi o primeiro disco que fizemos como projeto, ainda que tenha sido o segundo disco. O primeiro é uma compilação de canções que já vínhamos montando e tocando nos palcos. Selecionamos as melhores e saiu o disco. Re foi o primeiro álbum em que nos disseram "façam canções e vamos gravar" e houve esse primeiro exercício de compôr uma obra.

C¡ - Café Tacvba nasceu no início dos anos 90. A banda sente alguma responsabilidade em ser porta-voz de uma geração? Vocês são cobrados por isso?


Não. Café Tacvba é um grupo que daqui a 2 meses estará completando 24 anos tocando junto e é isso que somos. E somos uma banda também que depois de todo esse tempo segue tentando fazer coisas que nos renovem e, sem pensar no passado, tratando de tirar uma radiografia de nós mesmos, do momento, e deixá-lo marcado no disco. A partir daí, o que vier é lucro. Queremos seguir nossa carreira para aproveitar a vinda ao Brasil, tocar mais, fazer outro disco. E ter a certeza de que ao nos reunirmos, estamos indo por um bom caminho, passo a passo, sem saber o que vai acontecer. Mas também sou consciente do que somos, de que geração pertencemos e não pretendemos ser a máxima novidade dos tempos atuais porque isso não é possível. Há um código de gerações hoje em dia que às vezes eu não entendo... Muitos dos grupos mexicanos, por exemplo, preferem cantar em inglês e isso não me diz nada.

C¡ - Sobre o novo trabalho, El Objeto Antes Llamado Disco (2012), alguns dizem que vocês se aproximaram demais de uma sonoridade synthpop. Qual a sua opinião? E sobre os que tentam classificar uma banda inclassificável como os Tacvbos?

A pessoa sempre precisa buscar referências quando lhe falam de algum grupo ou artista ou estilo que ela não conhece. Ela vai perguntar "é como tal e tal?", sempre pedindo referências catalogando algo para poder entendê-lo. Eu aprecio que a pessoa queira definir algo para ajudar a, quem sabe, digerir melhor aquilo. Mas não nos interessa sermos catalogados em um gênero ou estilo.

C¡ - Sim, nota-se muito isso. Cada disco da banda é uma nova proposta, uma nova viagem.

Nós tentamos, pelo menos. (risos)



C¡ - No youtube já subiram alguns vídeos do show de vocês anteontem (5 de março, em São Paulo) para cerca de 400 pessoas, mais ou menos o público que vocês terão aqui hoje. E Café Tacvba, sabemos, é uma banda acostumada a tocar para grandes públicos. Como é voltar a se apresentar em palcos menores?

Bom, de vez em quando tocamos em lugares não tão grandes. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando fazemos turnês, nos apresentamos em clubes pequenos porque às vezes é o que há. E de repente temos vontade de fazer um show gratuito para mais pessoas, a nível massivo, por assim dizer. Mas ter a chance de tocar em um lugar onde, esperamos, muita gente ainda não tenha ouvido Café Tacvba e venha para nos conhecer agora, é um lucro pra gente. Porque nós viemos aqui batalhar e trazer esse pedacinho de inocência que havia no passado, onde cada vez que nos encontrávamos com o público tínhamos que "ganhá-lo", digamos. Quando tocamos no Vive Latino (para 70 mil pessoas, ano passado), pensávamos que a menos que fizéssemos alguma besteira, teríamos simplesmente que subir lá e dar tudo o que tivéssemos.

C¡ - Até porque no Vive Latino o público já estava nas suas mãos...

Sim, claro. É diferente, porque de qualquer forma há muita expectativa e você é obrigado a tentar fazer jus a ela ou superá-la neste tipo de festival. Aqui é: trabalhar canção por canção, tratando de levá-las às pessoas e conquistá-las e isso é muito emocionante. E por ser um show mais íntimo a energia também é diferente. Eu me divirto demais e sei que o grupo sente o mesmo.

C¡ - E nós aqui também. Muito obrigado, Meme. Um ótimo show para todos.



Obrigado. Nos vemos já já.




 **** NOITE DE BAILE NO SALÃO DO CIRCO VOADOR ****

Café Tacvba faz apresentação histórica para entrar na galeria de grandes momentos da lendária casa de shows carioca. 


Após abertura dos brasilienses Móveis Coloniais de Acaju, exatamente à meia-noite sobem ao palco Rubén Albarrán (vocal), Quique Rangel (baixo), Joseldo Rangel (guitarra) e Emanuel "Meme" Del Real  (teclado/guitarra) para encarar um público aproximado de 500 pessoas, entre as quais muitos mexicanos residentes na cidade, colombianos, peruanos, chilenos... e, sim, brasileiros.

A banda inicia o concierto com El baile y el salón, música do aclamado álbum Re (1994). Logo percebe-se uma platéia "ganha", algo que os tacvbos provavelmente não esperavam  já de início. A partir daí os hits foram se sucedendo: Como te extraño mi amor (levada quase inteira em coro pela platéia), Las flores, La ingrata (das mais festejadas de todo o show), até vir Olita del altamar, música do último disco, o ótimo El Objeto Antes Llamado Disco (2012), e que ao vivo ficou ainda mais vibrante e bailable do que na versão de estúdio.


[imagens: La Cumbuca]

Eis que o falante e carismático vocalista Rubén nos lembra que o momento é para todos mexerem o corpo, a senha para a banda engatar uma sequência a todo vapor com Eo e La locomotora (do disco Revés/Yo soy, que recebeu o Grammy de melhor disco de rock latino de 1999) e que em No controles atinge o seu ápice, levando os mais exaltados fãs tacvbos a abrirem animada roda de pogo. 

A platéia, em êxtase, puxa um ole, ole, ole, ole / cafe, cafe que ecoa forte pelo Circo Voador e arranca sorrisos dos músicos mexicanos - que, neste momento, também já estavam "ganhos". Café Tacvba e Rio de Janeiro recém haviam sido apresentados, mas já se sentiam amigos de longa data. 

A banda responde ao afago carioca com Déjate caer, versão dos chilenos Los Tres, que assim como em No controles (originalmente da banda de tecno-pop espanhola Olé Olé) mostra a capacidade do Café Tacvba em reconstruir canções de tal forma que elas acabam se tornando algo novo - e deles. Mais do que versão, é uma completa apropriação da canção. No final, os músicos deixam seu instrumentos de lado, entra uma base pré-gravada e todos os tacvbos, lado a lado, semblante sério e compenetrado (como só os mais debochados sabem expressar), repetem com destreza a coreografia que fizeram para o clipe da música. A torcida, digo, platéia delira e logo ressurge com força o 'coro à la Maracanã lotado' homenageando a banda.

[imagens: La Cumbuca]

 O inspiradíssimo Rubén aproveita para criticar as multinancionais "que tentam nos impôr o seu lixo" e conclamar a união dos povos latinos, pedindo para que a platéia se abraçasse, mesmo os desconhecidos entre si, e é prontamente atendido por muitos, tomados pela energia positiva - quase ecumênica - emanada do palco pelos mexicanos. Uma verdadeira terapia musical.

Começam então os indefectíveis versos tortos de Chilanga banda (outro belo exemplo de apropriação tacvba), seguida pela adrenalizada El fin de la infancia e logo depois, mais um momento mágico: La chica banda. É durante esse tema (do debute homônimo, de 1992), onde Rubén canta que se enamora de uma chica banda, que o show começa a ganhar contornos épicos. De olho nas fãs que marcavam presença expressiva na fila do gargarejo, o vocalista decide içá-las uma a uma para que lhe fizessem companhia. Logo não se via mais banda, apenas o pequeno "duende cabeludo" à frente, cercado por uma dezena de chicas (que estavam em grande número no Circo naquela noite) cantando e dançando animadamente. Um ambiente de "caos" e espontaneidade altamente saudáveis e necessários para qualquer grande (ou pequeno) concerto de rock que se preze. Claro que quem já viu outros shows de Los Cafeta sabe que a prática não foi inaugurada em solo carioca, mas não importa. Quando a música termina,  várias correm para abraçar Rubén, retribuindo-lhe o pedido que o mesmo havia feito a todos poucos minutos antes. Um dos momentos mais bonitos do show, sem dúvida.


[imagens: La Cumbuca]

Era fácil imaginar o que viria em seguida: ole, ole, ole, ole / cafe, cafe...

A banda deixa o palco, mas como é de praxe, todos esperam pelo bis. Ainda mais sabendo que o setlist até ali havia sido idêntico ao de São Paulo. As centenas de vozes já roucas resolvem variar no coro e resgatam os onomatopéicos versos de El baile y el salón, repetindo como mantra pa-pa, pa-pa / e-o, e-o sem parar, até que a banda mexicana voltasse ao palco. Apenas mais um dos muitos momentos inolvidáveis do show.


De este lado del camino, outra do álbum mais recente, é escolhida para inaugurar a parte final do show. Em seguida, vemos Meme deixar os teclados e assumir os vocais de Aprovéchate, mais um lindo tema de El Objeto Antes Llamado Disco. As prometidas duas horas de apresentação já estavam próximas de serem cumpridas, mas ainda havia tempo para cinco músicas, onde se destacavam Eres (bastante pedida  desde o início pela ala feminina do Circo) e Esa noche, que Rubén dedicou às mulheres (fazendo referência, de certo, ao Dia Internacional da Mulher - 8 de março).

[imagens: La Cumbuca]

O derradeiro presente ao público, El puñal y el corazón, dos repetidos versos finais ya no puedo más reverberam pelo Circo dizendo a todos que, sim, acabou. E enquanto os músicos agradecem abraçados no palco, é tocada ao fundo a música Los adolescentes, da banda chilena Dënver (no lineup da última edição do festival El Mapa de Todos, ano passado, em Porto Alegre), que acabou recebendo o acompanhamento de luxo do supracitado (e cantado) pa-pa, pa-pa / e-o, e-o dos incansáveis presentes, formando um inusitado live mashup. Encerramento perfeito para este 7 de março de 2013, noite tão aguardada por muitos, há muito tempo. Um bom exemplo é o relato emocionado do peruano Victor: 

- Vivo no Rio de Janeiro há 16 anos e este é o primeiro show de banda latina que assisto na cidade. Agora que venha Molotov! 

Sim. E que venham muitos mais. Gracias, tacvbos.

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